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Justino Vaz Valente (1898 - 1954)

Hábil Desenhador e Calígrafo

Justino Vaz Valente nasceu no lugar do Antepaço, em Arcozelo, Ponte de Lima, em 23 de Março de 1898, filho de Manuel José Valente e de sua mulher Ana Maria da Conceição.

É o exemplo perfeito do artista autodidata, como o foram no passado Tomás da Silva Campos e seu sobrinho João José Fiúza, com os quais teria, eventualmente, alguma remota ligação familiar, já que sua mãe era também da família dos Fiúzas, que aparentou entre si quasi todas as famílias da Além da Ponte.

  • Retrato em fotografia de Justino Vaz Valente
    Retrato em fotografia de Justino Vaz Valente

Ainda muito novo, foi Justino Valente viver com uns tios, comerciantes em Vila Praia de Âncora, para iniciar a sua carreira, seguindo depois para Lisboa, para trabalhar nos Armazéns Grandela, que iniciavam então uma fase de acentuado declínio. À noite frequentava as aulas da Escola Comercial, mas não concluiu o curso por ser acometido de doença grave, cujas consequências arrastou toda a vida. Aí aprendeu, contudo, os rudimentos do desenho e da caligrafia, que distinguiriam os seus trabalhos.

Regressou então à terra natal, continuando a prestar serviço na escrituração comercial, sem ocupação certa por se lhe exacerbar uma varicose que lhe tolhia o movimento e a sustentação. Começou a executar tarefas por sua conta, copiando textos[1] e reproduzindo desenhos com uma destreza e habilidade cada vez maiores. Justininho, como todos então o conheciam, era disputado pelos seus habilíssimos trabalhos mas, na realidade, pouco ganhava com a sua realização, ou porque os fazia de graça ou simplesmente por graça. Já numa fase adiantada da sua vida passou a trabalhar, com o mesmo pouco proveito com que antes o fazia, para o Dr. Filinto Elísio de Morais, um colecionador fanático pela temática limiana, que se comprazia em substituir qualquer peça de coleção que lhe não fosse acessível, por uma cópia bem executada e com valor acrescentado. E foi precisamente aí que os talentos de Justininho corresponderam ao interesse do Dr. Filinto de Morais e revelaram o artista.

A coleção do Dr. Filinto de Morais foi dispersa pelos herdeiros, não sendo hoje fácil seriar os trabalhos que ao longo dos anos foi encomendando a Justininho. Sabe-se que copiou, sempre com o acompanhamento do seu mentor, pelo menos os seguintes documentos:

- o manuscrito de Miguel Roque dos Reis Lemos, de 1873 - "Apontamentos para as Memorias das Antiguidades de Ponte do Lima", onde inseriu primorosos desenhos de edifícios ou objetos raros ou já desaparecidos, feitos sobre fotografias antigas, com recurso à técnica da pontilhação com tinta de Nanquim[2].

- o Foral novo de Ponte de Lima, ou Foral manuelino, de 1511, com a reprodução colorida da folha de rosto[3].

- os Acórdãos da Câmara de Ponte de Lima[3].

- desenhos antigos de diversos autores, entre outros, de Tomás da Silva Campos e de João José Fiúza da Silva Campos.

  • Casa onde nasceu Justino Valente
    Casa onde nasceu Justino Valente, no lugar do Antepaço, em Arcozelo, Ponte de Lima
  • Vista da villa de Ponte de Lima e seus arrebaldes na Freguezia de S. Maria dos Anjos em 1780
    Vista da villa de Ponte de Lima e seus arrebaldes na Freguezia de S. Maria dos Anjos em 1780, desenhada por Justino Valente sob a orientação do Dr. Filinto de Morais. O original está perdido, mas conhecem-se esquiços do autor com apontamentos parciais.

Mas a obra-prima de Justininho não foi nenhuma destas. Foi o desenho da vila de Ponte de Lima em 1780. Até há pouco tempo, pensava-se que este desenho era fruto de uma profunda elucubração e fora congeminado pelo Dr. Filinto de Morais, tentando simular o aspeto que teria a gravura que representasse Ponte de Lima, se acaso tivesse prosseguido a publicação de "Os Estrangeiros no Lima". Concluído o desenho, mandou executar a gravura no Porto, na Litografia Simão Guimarães, mas, porque entretanto verificasse um erro que reputava de grave, pediu a restituição do original e do cunho. Pouco tempo depois morreu, sem saber que a Litografia fizera uma prova de autor, que acabou por ser oferecida ao Conde d'Aurora; e o desenho foi parar à Câmara Municipal. Quando em 1965 se realizou a Exposição de Arte ‘Artistas Limianos - Assuntos Limianos', ambas as peças figuravam e a gravura foi publicada no respetivo catálogo. O desenho, esse, nunca mais foi visto. Restavam dele apenas esquiços e rascunhos dispersos.

  • Duas páginas de um livro manuscrito por Justino Valente_1Duas páginas de um livro manuscrito por Justino Valente_2
    Duas páginas de um livro manuscrito por Justino Valente (Casa do Arrabalde de Além da Ponte, Ponte de Lima)
  • Portada de um livro primorosamente caligrafado e desenhado em 1939
    Portada de um livro primorosamente caligrafado e desenhado em 1939, por Justino Valente, com a cópia dos Apontamentos para as memorias das antiguidades de Ponte do Lima (Arquivo Municipal de Ponte de Lima)

A partir da reprodução desta gravura fizeram-se inúmeras cópias, chegando muita gente a pensar que se tratava de um desenho original, tal era a verosimilhança do conjunto e a perfeição do traço. Só muitos anos mais tarde se desmistificou o caso, quando apareceu outra gravura, essa sim, original, sobre desenho de Tomás da Silva Campos, para um dos volumes de "Os Estrangeiros no Lima" que não chegou a ser publicado. Por algumas particularidades semelhantes dos dois desenhos, percebeu-se que um informou o outro. Mas isto em nada diminui o mérito dos interventores e muito menos do desenhador, que pôde assim comprovar os seus dotes artísticos, não como copista, de que já dera suficientes provas, mas agora como criador.

Justino Vaz Valente, o Justininho, faleceu solteiro em Ponte de Lima, em 17 de dezembro de 1954. Foi um bom homem e sobretudo um grande artista. Trabalhou uma vida inteira, apenas por amor à arte, sem nada receber em troca.

João Gomes d’Abreu

  • Assinatura Justino Valente_1
    Assinatura Justino Valente
  • Ornato típico utilizado por Justino Valente
    Ornato típico utilizado por Justino Valente na composição de textos

Calígrafo meticuloso, de cursivo firme e elegante, uma caligrafia que se diria com alma, Justino Vaz Valente foi ainda um copista exímio e um desenhador notável. Conhecido por ‘Justininho', os dotes deste artista foram aproveitados por personalidades da terra interessadas em valorizar textos e imagens dos seus documentos pessoais ou de antiguidades que adquiriam e pretendiam restaurar. Dessas personalidades, destaca-se o Dr. Filinto de Morais, um ávido colecionador de relíquias limarenses, que bem soube explorar as qualidades do inestimável artista.

  • Três desenhos a tinta de Nanquim, feitos por Justino Valente com a técnica da pontilhação_1Três desenhos a tinta de Nanquim, feitos por Justino Valente com a técnica da pontilhação_2Três desenhos a tinta de Nanquim, feitos por Justino Valente com a técnica da pontilhação_3
    Três desenhos a tinta de Nanquim, feitos por Justino Valente com a técnica da pontilhação, a partir de fotografias antigas de Ponte de Lima e incluídos no livro referido na nota 2 (Arquivo Municipal de Ponte de Lima)

A sua arte de desenhador, aliada à sua proficiência de copista permitiram-lhe reproduzir desenhos à pena ou desenhos aguarelados a partir de fotografias ou de trabalhos antigos, criando réplicas perfeitas dos originais. No intuito de conferir ‘verdade' ao seu trabalho de copista, Justino Vaz Valente chegava a copiar a assinatura do autor do trabalho original.

O seu extraordinário talento de artista permitia-lhe ainda reeditar em desenho aspetos e paisagens do passado, ou seja, já inexistentes na sua real dimensão física. Para tal, bastava que lhe indicassem o que havia de novo e o que antes estaria neste ou naquele sítio. Assim, retirava o que não interessava e recolocava o que no tempo existira - trabalho notável de exercício mental e de aptidão de (re)criação artística. Alguns desses trabalhos eram esteticamente valorizados pela cor (aguarela ou têmpera) ou pelo ponteado, técnica de que é excelente cultor.

  • Cópia feita por Justino Valente de um apontamento da Torre Velha
    Cópia feita por Justino Valente de um apontamento da Torre Velha desenhado cem anos antes pelo seu patrício João José Fiúza da Silva Campos (ACO)

Nem tudo, porém, na obra de Justino Vaz Valente é pautado pelo rigor artístico. Em alguns trabalhos paisagísticos ou figurativos coabitam aspetos bem conseguidos com algumas distorções, deixando antever alguns descuidos, desatenções, ou alguma indisciplina mental ou falta de concentração - ocorrências que só uma análise mais apurada e circunstanciada poderá aclarar. De qualquer modo, o conjunto imenso da obra que nos legou não desmerece por tal.

  • Assinatura Justino Valente_2
    Assinatura Justino Valente

Fernando Hilário



[1] Há excelentes trabalhos caligráficos de Justininho. A título de exemplo, ficam referidos o “Autógrafo de João Gomes d’Abreu”, memórias de uma vida, inéditas, que se conservam no Arquivo da Casa do Outeiro; e as notas genealógicas e biográficas da família do Dr. Francisco de Abreu Maia, escritas a duas cores, que hoje pertencem a seu sobrinho Dr. Francisco Maia e Castro.

[2] O original conserva-se no Arquivo Municipal de Ponte de Lima.

[3] O original pertence ao Dr. Adelino Tito de Morais.