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D. Frei Francisco de S. Luís (1766 – 1845)

Cardeal Saraiva. Religioso Beneditino, Bispo Conde e Reitor da Universidade de Coimbra, Cardeal Patriarca de Lisboa. Político. Historiador. Filólogo. Vulto notável da Cultura nacional.

Francisco Justiniano Saraiva nasceu na rua das Flores, na vila de Ponte de Lima, em 26 de Janeiro de 1766 e foi baptizado com o nome de Francisco Manuel a 9 de Fevereiro, filho do Tabelião do Público, Judicial e Notas naquela vila, Manuel José Saraiva e de sua mulher Leonor Maria Teodora Correia.

  • Retrato do Cardeal Saraiva
    Retrato do Cardeal Saraiva, D. Frei Francisco de S. Luís, pintado em Braga , em 1949, por António Alves. Pintura a óleo sobre tela (Município de Ponte de Lima)

Entrou em 1780 para o mosteiro beneditino de Tibães "pelas prendas de órgão e canto-chão"[1] e aí professou, em 29 de Janeiro de 1782, com o nome em religião de Frei Francisco de S. Luís.

Como monge professo em Tibães, foi Visitador-geral e Cronista-mor da Ordem, tornando-se o braço direito, como secretário (1798) e companheiro (1801), de dois Abades Gerais Beneditinos, irmãos entre si, Frei José de Santa Rosa Vasconcelos e Frei Manuel de Santa Rita Vasconcelos, guiando-se sempre pela preferência que dava aos estudos e à docência académica, norteado pelos princípios do Iluminismo. Doutorado pela Universidade de Coimbra em 1791, foi seu Professor e Reitor e Sócio da Academia Real das Ciências. Só uma vez, entre 1804 e 1807, aceitou o abaciado do Mosteiro/Colégio de S. Bento de Coimbra.

Estudioso e sábio, assumiu os ideais do liberalismo moderado. Em 1808, por imperativo do bem público, participou na Junta de Viana contra os franceses e, com o Liberalismo, fez parte da Junta do Governo Supremo do Reino (1820), sendo elevado a Bispo Coadjutor de Coimbra e Reitor da Universidade (1821-1823), cargo de que resignou após a 'Vilafrancada'. Eleito Deputado, foi Presidente da Câmara e várias vezes das Cortes, Ministro do Reino, Membro do Conselho de Estado, Guarda-Mor da Torre do Tombo e Par do Reino. Nomeado Vogal para o restabelecimento das relações de Portugal com a Santa Sé, foi eleito Cardeal Patriarca de Lisboa, nomeado pela Rainha a 5 de Janeiro de 1840 e aceite pelo Papa Gregório XVI, que dele recebeu carta de explicação e, decididamente, o confirmou com a Bula "Onerosa pastoralis" de 3 de Abril de 1843. Foi proclamado no Consistório de 19 de Junho e recebeu o barrete cardinalício das mãos da Rainha, no Paço das Necessidades.

  • A Rua das Flores, em Ponte de Lima
    A Rua das Flores, em Ponte de Lima. Nesta fotografia da segunda metade do séc. XIX, o aspecto da rua não seria muito diferente do que teria no tempo em que aí nasceu Frei Francisco de S. Luís Saraiva (Fot. - a.d.)

Por causa da vida política que seguiu, procurou defender-se, mas sem fazer críticas nem se tornar maldizente, como seu irmão Luís Estanislau, Frei Luís dos Serafins[2], mais velho e beneditino como ele. Carácter educado e de ânimo suave, no meio de nomeações e demissões, sofreu com resignação cristã e monástica as perseguições e os exílios, sobretudo no período da governação de D. Miguel e, depois do Setembrismo, porque era um convicto liberal cartista, em São Paulo da Serra de Ossa, onde esteve exilado e enclausurado durante seis anos, de 10 de Julho de 1828 a 26 de Maio de 1834. Ele próprio desmentiu categoricamente na sua "Dedução"[3] a acusação de ser membro da Maçonaria. Mais tarde, adivinhando quase profeticamente os desgostos e injúrias, ao agradecer à Rainha a eleição para Patriarca, terá dito: "Senhora, com esta nova graça descarregou Vossa Majestade sobre mim uma pancada mortal" e ainda: "pronto para o altar e para a charrua, para o sacrifício e para o trabalho"[4].

Homem do seu tempo, marcado por convulsões políticas, sociais e religiosas, liberal e cartista, pode parecer estranho que o monge e ministro de Deus se tivesse prendido tanto às questões políticas dos homens. Assim, hoje, poderíamos levantar várias interrogações acerca do seu comportamento perante realidades que estão longe do ideal religioso e podem manifestar apetência orgulhosa de carreira e vaidade hierárquica. Todavia, faltam indícios precisos e reveladores das suas intenções, pelas quais possamos ajuizar do seu comportamento e das suas apetências. Dentro da Ordem Beneditina, soube ser serviçal, cooperador e activo, recolhendo incansavelmente dados que abonassem a sua Ordem e Congregação (Catálogo dos Escritores Beneditinos, Apontamentos Beneditinos), fugindo mesmo e recusando as promoções hierárquicas, preferindo o amor ao estudo e o infatigável trabalho intelectual, como provam os seus numerosíssimos escritos e manuscritos, guardados agora no Patriarcado de Lisboa ou no Arquivo de Singeverga. Interessava-se por tudo o que dizia respeito ao passado - arqueologia, arte, história, linguística, literatura. Errou quanto à origem celta da língua portuguesa, mas defendeu Camões com verdadeiro espírito patriótico. No mosteiro, sobretudo em Tibães, soube acompanhar a política e acontecimentos do tempo, iniciando e escrevendo o paradigmático "Dietário de Tibães" (1798-1801), que todos os mosteiros deviam redigir, relatando campanhas militares, como a da Guerra Peninsular.

  • Frontispício da Lista de alguns artistas portuguezes Frontispício de um livro manuscrito de árvores de costados Frontispícios da 1ª e 4ª (última) edições da obra Ensaio_1
    Frontispícios da 1ª e 4ª (última) edições da obra Ensaio sobre alguns synonymos da lingua portugueza..., publicadas em Lisboa, respectivamente, em 1821 e 1863 e ainda a edição do Rio de Janeiro de 1835-1836.

Pode ser acusado de não ter defendido as ordens religiosas quando se preparava a exclaustração, mas, muitas coisas lhe passaram ao lado e lhe foram ocultas, como ele confessa e, entre 1828 e 1834, esteve longe da Corte, desterrado no Alentejo, afastado dos homens e de todas as manobras políticas. Aliás, já antes tinha promovido a publicação do famoso livro anónimo "Os frades julgados no tribunal da razão" (Lisboa, 1814), e, de mais a mais, os seus correligionários políticos conheciam suficientemente as suas opiniões a esse respeito, a sua moderação e espírito avesso a perseguições e vinganças. Não caindo no juízo fácil de o julgar como arguido e de o condenar, mas dando-lhe o desconto do tempo e do circunstancialismo em que viveu, cremos poder afirmar que ele soube cumprir como monge, agir e sofrer como político, pensar, trabalhar e servir como sacerdote e pastor da Igreja no seu tempo.

Assinatura_D. Frei Francisco de S. Luís

  • Frontispício da Lista de alguns artistas portuguezes
    Frontispício da Lista de alguns artistas portuguezes..., coligida por D. Frei Francisco de S. Luís ... no decurso de suas leituras em Ponte de Lima no anno de 1825, e em Lisboa no anno de 1839, ano em que foi publicada.

De facto, na sua dimensão pastoral e episcopal, ressaltam as virtudes que parecem advir do seu temperamento delicado e da disciplina religiosa em que foi educado - capacidade de trabalho, sentido de realismo e cordura humana, prudência perante as situações, delicadeza e respeito pelos outros, lhaneza de trato, respeito e fidelidade mais que confessada à Ordem Beneditina, religioso temor de Deus. O pensamento é límpido, coerente e correcto; pode parecer vaidoso na procura de promoção social, mas foi liberal e tolerante, embora eivado duma certa visão regalista em relação ao poder da Igreja, sem perder nunca o sentido do sobrenatural, cuidado e preocupação pelo clero e pelos fiéis. De tudo isso são prova as cartas pastorais que lhe conhecemos em Coimbra e Lisboa, as quais constituem o melhor repositório da sua visão eclesial, bem como das suas preocupações pastorais, apesar da idade e do cansaço.

Pela correspondência particular, sabemos que, em Lisboa, se fazia sentir ao vivo a derrocada provocada pelas convulsões sócio-políticas. Ele próprio se queixava da ignorância do clero rural e da instabilidade ou mobilidade dos sacerdotes por interferência directa do Governo, sob cuja égide estava a sua colocação, muitas vezes sem que o Ordinário do lugar soubesse ou fosse informado. Pela pastoral de 12 de Abril de 1844, somos informados da sua preocupação na formação cultural do clero, sem dúvida uma ideia-força do seu antecedente iluminismo universitário, quando não havia ainda Seminários a funcionar e o Patriarcado tinha apenas uma escola aberta de moral para os candidatos ao sacerdócio, em S. Vicente de Fora. Ele tinha consciência de que o clero devia obediência ao Prelado, tinha de cumprir as obrigações para com a Igreja e ser assíduo nas funções eclesiásticas, e que a religião devia contribuir para o progresso do Reino e para a melhoria da sociedade. Consciente dos atropelos, calúnias e doestos que lhe levantavam, guardava em cofre as cartas anónimas e insultuosas que lhe dirigiam, como refere Latino Coelho: "Naquele cofre estão dez anos que eu pudera ter ainda vivido; ali se verá o que são, no âmago, as tão invejadas doçuras do Patriarcado". Foi, indiscutivelmente, uma das grandes figuras político-religiosas nacionais do seu tempo.

  • Frontispício de um livro manuscrito de árvores de costados
    Frontispício de um livro manuscrito de árvores de costados, intitulado Espelho Genealogico onde devem olhar-se varias Familias para conhecerem o fundamento da soberba, do orgulho, da presumpção, da vaidade, da vangloria, Que as caracterisa, escrito em Ponte de Lima em 1843, versão limiana de um Tição Negro, correntemente atribuído a D. Frei Francisco de S. Luís, mas que pode, ainda com maior verossemelhança, ser obra do espírito mordaz de seu irmão Frei Luís dos Serafins (Casa do Arrabalde de Além da Ponte, Ponte de Lima).

Morreu no Palácio da Mitra, em Marvila, a 7 de Maio de 1845, ficando sepultado em S. Vicente de Fora, no panteão dos Patriarcas. Metido na política e elevado à púrpura, viveu sempre modestamente, quase pobre, sem recorrer às benesses da política, com grande amor à família, às irmãs de Ponte de Lima, correspondendo-se com muitos amigos e admiradores.

D. Frei Geraldo Coelho Dias, osb

 

Pela brilhante carreira académica, pelo desempenho dos mais altos cargos e funções na hierarquia da Igreja e do Estado, enfim pela sua estatura intelectual e pela obra legada, Frei Francisco de S. Luís é, inquestionavelmente, um dos filhos mais notáveis da vila de Ponte de Lima e um dos grandes portugueses do seu tempo.

  • Retrato de D. Frei Francisco de S. Luís, desenhado por Domingos António de Sequeira
    Retrato de D. Frei Francisco de S. Luís, desenhado por Domingos António de Sequeira e gravado por Gregório Francisco de Queioz em 1821.

Relacionada com as suas actividades docentes e académicas e, sobretudo, com a sua vocação de investigador, a obra impressa de Frei Francisco de S. Luís é impressionante pela dimensão e variedade de interesses. Os dez volumes das suas "Obras Completas" (Lisboa, Imprensa Nacional, 1872-1883), editados postumamente por iniciativa de António Correia Caldeira, com uma introdução do Marquês de Resende, reúnem o essencial da sua produção intelectual. A simples consulta dos índices detalhados destes volumes é elucidativa quanto à variedade temática dos interesses quase enciclopédicos do seu autor. Na obra deste considerável polígrafo avultam três grandes áreas de investigação - estudos históricos, estudos linguísticos-filológicos e estudos literários - que, nestas circunstâncias, apenas se podem rapidamente sumariar e ilustrar com pouquíssimos exemplos.

De facto, em primeiro lugar, é notório o seu interesse pela História de Portugal, desde as origens da nacionalidade até aos tempos quase contemporâneos do autor. O seu amor à inquirição historicista e ao método da sistematização (através de índices ou catálogos cronológicos) são visíveis em vários trabalhos, referenciados por sucessivas gerações de historiadores. Nestes 'estudos históricos e cronológicos' sobressai o seu interesse pela época dos Descobrimentos, bem como pela história eclesiástica em Portugal, recorrendo por vezes ao género da memória académica. Sirvam de exemplo destes trabalhos a "Cronologia dos Reis de Portugal" (até D. Pedro IV) e o "Indice Chronologico das Navegações, Viagens, Descobrimentos, e Conquistas dos Portuguezes nos paizes ultramarinos desde o princípio do seculo XV" (1841).

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  • Carta enviada pela Câmara Municipal de Ponte de Lima_3 Carta enviada pela Câmara Municipal de Ponte de Lima_4
    Carta enviada pela Câmara Municipal de Ponte de Lima a 17 de Janeiro de 1840 a D. Frei Francisco de S. Luís, congratulando-se com a sua nomeação para Cardeal Patriarca de Lisboa e o rascunho autógrafo do respectivo agradecimento, datado de 27 do mesmo mês e ano (ACO).

Em segundo lugar, destacam-se os estudos linguístico-filológicos, orientados 'para a história da língua portuguesa'. Como amante da língua portuguesa, defendeu a sua pureza e vernaculidade, face às nefastas influências estrangeiras, aliás na senda de outros intelectuais da segunda metade de Setecentos. Assim se deve compreender, por exemplo, o "Glossário das palavras e frases da língua francesa que por descuido, ignorância ou necessidade se têm introduzido na locução portuguesa moderna... "(s.d.; 2ª ed.-1827; 3ª ed.-1846; contrafacção no Rio de Janeiro-1842) ou ainda o "Glossário de vocábulos da língua vulgar portuguesa que trazem origem do grego".

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    Assinatura de D. Frei Francisco de S. Luis

Neste campo linguístico, outro estudo paradigmático é o "Ensaio sobre alguns synonymos da lingua portugueza" (1821; 2ª ed.-1824-1828; 3ª ed.-1838; 4ª ed.-1863 e ed. do Rio de Janeiro - 1835-1836). Reafirmando a riqueza do nosso idioma, distingue os valores semânticos de "palavras no uso vulgar tidas por sinónimas", orientando assim a sua utilização com a desejável 'propriedade'. Mais ousada e polémica foi a "Memoria em que se pretende mostrar, que a Lingua Portugueza não he filha da Latina..." (1839).

  • Super-libris e carimbo de óleo heráldicos_1  Super-libris e carimbo de óleo heráldicos_2
    Super-libris e carimbo de óleo heráldicos usados por D. Frei Francisco de S. Luís como Cardeal Patriarca de Lisboa. Escudo partido das armas da Congregação de S. Bento e de Saraiva, sobrepujado pela tiara Patriarcal (ACO).

Em terceiro e último lugar, ainda dentro de uma englobante cultura romântica, são apreciáveis os trabalhos literários de Frei Francisco de S. Luís. Também aqui a variedade é deveras considerável. O autor escreveu crítica literária, como na "Apologia de Camoens contra as reflexoens criticas do P. Jozé Agostinho de Macedo sobre o episodio de Adamastor no Canto V dos Lusíadas" (Santiago de Compostela, 1819; 2ª ed.-Lisboa, 1840). Contrariando detalhada e fundamentadamente as invectivas racionalistas e formalistas do despeitado crítico, Saraiva salienta a grandeza e originalidade do nosso épico de Quinhentos. Ao mesmo tempo, desenvolveu estudos de análise e crítica comparativa, a partir de uma matriz retórica que enformava as "Memórias da Academia das Ciências". Intitulado Comparação da História de D. João de Castro por Jacinto Freire de Andrade, e da Vida de D. Paulo de Lima por Diogo do Couto, o estudo confronta duas biografias do ponto de vista da sua composição retórico-estilística.

Ainda neste capítulo literário, merecem referência os trabalhos de tradução/versão do autor, a partir de textos de Séneca: "Da constância do varão sábio"; e "Séneca posto em desterro consola a sua mãe Elvira desta infelicidade". O biografismo e estoicismo do autor romano adequavam-se às difíceis circunstâncias biográficas em que estes trabalhos de tradução foram concretizados. Noutro estudo, diagnostica a decadência das letras nacionais a partir de finais do séc. XVII até ao reinado de D. João V - "Memória sobre o estado das letras em Portugal na primeira metade do século XVIII", entre outras pesquisas.

A intensa actividade intelectual do Cardeal Saraiva configurou uma enorme reputação à volta do seu nome e correspondeu ao nível do seu empenho político e religioso. Como afirma em conhecida carta ao Marquês de Resende, o autor limiano desejava manter em todos os seus trabalhos o rigor científico que existia noutros domínios de investigação, e que faltava com frequência aos estudos humanísticos. Em conclusão, a obra histórica, linguística e literária do erudito Frei Francisco de S. Luís não pode ser ignorada pela riqueza dos seus interesses temáticos e pelo significado para a história da cultura portuguesa.

José Cândido de Oliveira Martins

 

  • Retrato de D. Frei Francisco de S. Luís como Bispo Conde e Reitor da Universidade de Coimbra
    Retrato de D. Frei Francisco de S. Luís como Bispo Conde e Reitor da Universidade de Coimbra. Pintura a óleo sobre tela, existente na Galeria dos Reitores da Universidade de Coimbra (Fot. - J.N.K.M.).

A 6 de Abril de 1780, com pouco mais de catorze anos, entrou para o noviciado no Mosteiro beneditino de Tibães, onde professou solenemente a 29 de Janeiro de 1782. Concluiria a sua formação, a partir desse mesmo ano, no Mosteiro de Rendufe, passando depois para o Colégio de Nossa Senhora da Estrela, em Lisboa, de onde, em 1785, veio para o de Coimbra, por certo um dos mais prestigiados entre todos os da Universidade.

Doutorou-se em Teologia a 31 de Julho de 1791 e, em 1798, com dispensa de idade, foi eleito pelo capítulo geral da Ordem, Secretário de toda a Congregação Beneditina. Em 1817 viu-se nomeado Lente proprietário de Filosofia Racional e Moral do Colégio das Artes. Foi Abade do Colégio de Coimbra, Visitador-geral e Cronista-mor da sua Ordem.

Já então eram bem conhecidas as suas tendências liberais e a sua simpatia pela nova ordem ideológica e política que a Revolução de Agosto de 1820 em breve viria consagrar. Deputado às Cortes Constituintes de 1821, logo se veria nomeado membro da Regência. Não admira, por isso, que em breve se lhe abrissem as portas do episcopado, ao ser preconizado, em 20 de Julho de 1821, embora não sem algumas hesitações por parte da Santa Sé, como Coadjutor, com direito de sucessão, do Bispo de Coimbra e Reitor-Reformador da Universidade, D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, entrando no exercício pleno das suas funções a 15 de Setembro de 1822. Por Portaria de 30 de Agosto de 1821, foi nomeado Reformador-Reitor da Universidade, tendo tomado posse em claustro pleno, celebrado a 20 de Outubro.

  • Capa de brochura do Tomo I das Obras Completas
    Capa de brochura do Tomo I das Obras Completas de D. Frei Francisco de S. Luís, organizadas pelo Conselheiro António Correia Caldeira e publicadas em dez tomos entre 1872 e 1883.

Viria a ser exonerado por carta régia de 23 de Junho de 1823, certamente pela impossibilidade de conciliar as suas funções na prelatura da Universidade com a intensa carreira política e cultural que seria depois chamado a desempenhar – Guarda-Mor da Torre do Tombo, Ministro e Conselheiro de Estado, Par do Reino, etc. Não lhe faltaram por isso honrarias, como uma cadeira na Academia das Ciências de Lisboa, a Grã-Cruz da Ordem de Cristo e, em 5 de Janeiro de 1840, a nomeação para Cardeal Patriarca de Lisboa, recebendo o barrete cardinalício das mãos da Rainha D. Maria II, a 18 de Julho de 1843.

O Reitorado de D. Frei Francisco de S. Luís foi curto e acidentado pelas perturbações provocadas pelas lutas liberais, sobretudo a partir da aprovação da Constituição de 1822 e, como é natural, do triunfo da causa de D. Miguel. Com efeito, a restauração da Monarquia Absoluta compeliu-o a resignar da mitra de Coimbra, o que fez, embora dando a essa renúncia a aparência de o fazer espontaneamente, a 12 de Setembro de 1833.

Foi-lhe fixada residência no Mosteiro da Batalha, mas, com a aclamação de D. Miguel, foi transferido para o Convento da Serra de Ossa, onde iria manter-se, em condições verdadeiramente humilhantes, até à Convenção de Évora Monte, celebrada em 26 de Maio de 1834. De menor peso não foi a multiplicidade e responsabilidade dos cargos que foi chamado a desempenhar. De modo que as medidas de reforma da Universidade, que se tornavam cada vez mais urgentes e importantes, após os dois longos reitorados de D. Francisco de Lemos, o primeiro entre 1770 e 1779, e o segundo entre 1799 e 1821, bem como as profundas alterações decorrentes da implantação do regime liberal e, depois, do retrocesso desse movimento causado pela restauração do absolutismo miguelista, não só não tiveram uma consistência sistematizada e coerente, como deram lugar a encontros e desencontros que o Reitor não se mostrou capaz de vencer. A Universidade viu-se atingida durante décadas nos seus fundamentos e na orgânica do seu sistema geral. E não faltaram movimentos de inquietação entre os estudantes, sobretudo traduzidos em publicações que davam voz ao desencontro de ideias e de atitudes que o Reitor se viu compelido a reprimir, como no caso, ainda que mitigado, do "Retrato de Vénus", de Garrett. E, mesmo depois de restabelecida a Carta Constitucional e apesar de reconhecida a urgente necessidade de uma reforma geral, ninguém foi capaz de a levar a cabo, porque as contínuas divergências que dividiam as Cortes, longe de a facilitarem, a tornavam de todo inviável.

  • Capa de brochura da Memoria Historica de D. Fr. Francisco de S. Luiz Saraiva
    Capa de brochura da Memoria Historica de D. Fr. Francisco de S. Luiz Saraiva, oferecida à Academia Real das Ciências de Lisboa pelo Marquês de Resende e publicada em 1864.

No entanto, a dispersão da actividade pública do Reitor deu-lhe longas oportunidades para desenvolver uma intensa actividade intelectual de erudito, bem evidente desde os seus tempos de juventude, quando ainda no Mosteiro de Tibães, ali levou a cabo a catalogação da parte da livraria relativa à Teologia.

Da múltipla variedade dessa produção dão testemunho os 10 volumes da edição das suas "Obras Completas" (Lisboa, 1872-1883), por iniciativa do seu parente, o Conselheiro António Correia Caldeira. Entre os seus interesses mais constantes deve sublinhar-se a atenção que consagrou aos problemas da língua portuguesa, na sua defesa e no seu aproveitamento estilístico, mormente em estudos como o "Ensaio sobre alguns sinónimos da língua portuguesa" (1821), o "Glossário das palavras e frases da língua francesa que por descuido, ignorância ou necessidade se têm introduzido na locução portuguesa moderna" (1827) e a "Memória em que se pretende mostrar que a língua portuguesa não é filha da latina..." (1839). Da atenção que lhe mereceu a especificidade linguística do português dá prova, por exemplo, a comparação entre a "Vida de D. João de Castro", de Jacinto Freire de Andrade, e a "Vida de D. Paulo de Lima Pereira", de Diogo do Couto. Referência muito especial é devida à "Apologia de Camoens contra as reflexoens críticas do P. Joze Agostinho de Macedo sobre o episódio de Adamastor no Canto V dos Lusíadas" (1819 e 1840).

Vemos que no Cardeal Saraiva, para além do seu curto reitorado, se conjuga a figura de um espírito activo com a de um erudito, cuja cultura de matriz neoclássica se mostra aberta às ideias renovadoras para abrir portas generosas aos novos tempos ideológicos e estéticos.

Aníbal Pinto de Castro



[1] Arquivo Distrital de Braga/Universidade do Minho - Congregação de S. Bento, Livro 30, Termos de Noviciado, fl. 28.

[2] Apontamentos varios (ms. do Arquivo de Singeverga).

[3] Publicada apenas em 1945, no Mensageiro de S. Bento.

[4] Carta publicada em O Instituto, Coimbra, vol. X, p. 89.