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João Rodrigues de Morais (1851 – 1936)

Emigrado no Brasil. Grande Benemérito e principal Fundador do Teatro Diogo Bernardes.

João Francisco Rodrigues de Morais nasceu a 7 de setembro de 1851, em Ponte de Lima, na rua Beato Francisco Pacheco, oitavo de uma dezena de filhos do casal Francisco José Rodrigues de Morais, oriundo de Vieira do Minho, e de sua mulher D. Maria do Carmo Vasconcelos, de Ponte de Lima (irmã do Doutor João José de Vasconcelos, Lente de Filosofia). Cresceu numa família de negociantes de linho, cerieiros e estanqueiros do tabaco, que aprovisionavam na sua Quinta de Espinho, em Brandara, e com outros rendimentos das suas propriedades agrícolas.

  • Retrato de João Rodrigues de Morais
    Retrato de João Rodrigues de Morais. Pintura a óleo de J. Perez, de 1907 (Valimar Com’Urb, Villa Moraes, Ponte de Lima).

Considerado um dos maiores beneméritos limianos, senhor de avultados bens de fortuna da qual fez o melhor uso em vida, designadamente na distribuição por pobres e instituições locais (de algumas foi até fundador), João Rodrigues de Morais ficou na memória dos seus conterrâneos. O seu empenho no progresso e qualidade de vida dos limianos, a sua influência na autarquia e no governo e a disponibilidade duma carteira sempre aberta para patrocinar iniciativas de desenvolvimento e equipamentos públicos, fizeram dele o renovador de Ponte de Lima no final do séc. XIX e no primeiro quartel do séc. XX.

A projeção de João Rodrigues de Morais na sociedade limiana é ainda hoje recordada, não só na toponímia, como nas diversas obras que patrocinou no exercício virtuoso da caridade.

Tendo morrido seu pai em 1858, tinha ele então apenas sete anos, atravessa o Atlântico, rumo ao Brasil, onde já se encontrava seu irmão Miguel, três anos mais velho, fixado no Salvador da Baía. Com ele se viria a associar, criando uma sociedade de distribuição de bens alimentares no Nordeste e noutros projetos de fomento industrial no Rio de Janeiro.

  • A Villa Moraes, quando ficou concluída, no princípio do séc. XX
    A Villa Moraes, quando ficou concluída, no princípio do séc. XX (Fot. - a.d.).
  • Recanto do jardim romântico da Villa Moraes numa fotografia do princípio do séc. XX
    Recanto do jardim romântico da Villa Moraes numa fotografia do princípio do séc. XX (Fot. - a.d.).

É tradição familiar que a fortuna amealhada atingira os novecentos contos quando em 1889 pensou em regressar definitivamente a Portugal. Quando chegou fez diversos investimentos imobiliários em Lisboa, mas a sua profunda ligação ao berço levou-o a mudar a residência definitivamente para o Norte. Assim, passou Ponte de Lima a contar com um dedicado entusiasta pelo seu progresso, um financiador de boas iniciativas, um gentleman que a todos atendia, um filantropo que as atas do Município, a imprensa e a memória das pessoas que com ele conviveram registaram ao longo de quarenta anos.

  • O Teatro Diogo Bernardes, em Ponte de Lima, num postal corrente nos inícios do séc. XX.
    O Teatro Diogo Bernardes, em Ponte de Lima, num postal corrente nos inícios do séc. XX.

Abastado proprietário no concelho e o seu principal capitalista, João Morais foi o impulsionador da renovação de dois bairros de Ponte de Lima – o da antiga Vacaria (que pertencera ao Marquês de Ponte de Lima) e o do Pinheiro. Os seus investimentos traduziram-se na construção de modernas e confortáveis moradias, tendo para isso que adquirir todos os prédios do arruamento que hoje leva o seu nome e a quase totalidade dos que confrontavam com a sua quinta da Villa Moraes.

  • Composição desenhada por Alfredo Mâncio no nº 1 (p. 4) do seu ‘jornal imperiodico’ O Bohemio
    Composição desenhada por Alfredo Mâncio no nº 1 (p. 4) do seu ‘jornal imperiodico’ O Bohemio, publicado em 1896, sobre o novo Teatro Diogo Bernardes, que inclui o retrato de João Rodrigues de Morais e ainda o do pintor Eduardo Reis, autor do pano de boca.

Com estes investimentos, os efeitos da grave crise política e económica que se abatera sobre o País e que tinham também paralelo na vizinha Galiza, foram menos sentidos em Ponte de Lima, onde havia sempre trabalho e alguma esmola.

Custeou, entre outras iniciativas de interesse geral, a construção de dezenas de casas novas na vila, da antiga escola primária (já demolida) e do Teatro Diogo Bernardes, a conclusão da capela da Senhora da Lapa, a retificação e alargamento de arruamentos como foi o caso das ruas Domingos Tarrozo, Agostinho José Taveira e da que atualmente tem o seu nome, benfeitorias na Igreja Matriz, na da Misericórdia, na Paroquial da Gemieira, nas capelas de S. João (Vila), de Santo Ovídio (Arcozelo) e do Senhor da Cruz da Pedra (Ribeira) e nas sedes da Assembleia Limarense, da Associação de Socorros Mútuos, da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ponte de Lima, etc.

Em sua vida ou por disposição testamentária, destinou verbas a Irmandades e Confrarias e para distribuição pelos pobres, e ofereceu ao Asilo dos Inválidos Camões a casa da rua Formosa que fora do Conde de Alentém e à Fábrica Paroquial da Ribeira, o seu antigo Passal. Ainda assim, o inventário do património a que se procedeu após a sua morte levou cinco anos a elaborar e relacionou, só no concelho de Ponte de Lima, uma centena de casas e vinte e cinco quintas, bens na sua maior parte situados nas freguesias de Arca, Arcozelo, Brandara, Calheiros, Correlhã, Feitosa, Fornelos, Santa Maria de Rebordões, S. João da Ribeira e, naturalmente, na própria vila.

  • Retrato de João Rodrigues de Morais. Pintura a pastel, assinada por Amorim em 1921
    Retrato de João Rodrigues de Morais. Pintura a pastel, assinada por Amorim em 1921 (Consistório da Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima).

Outro marco da sua vida foi a construção da sua residência em Ponte de Lima, a Villa Moraes, edificada entre 1898 e 1907 com o gosto eclético que caracterizou os revivalismos do fim do século e a que não faltaram mesmo alguns complementos discordantes de art nouveau, enquadrada por um esplêndido parque arborizado com cerca de dois hectares, com um castelo, estufas, jardins, gaiolas, grutas e um magnífico lago, que é hoje, no seu conjunto, um monumento ao romantismo, muito justamente integrado no Património Cultural Português. Foi neste cenário que João Rodrigues de Morais recebeu em 29 de outubro de 1908 o Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, então Presidente da República do Brasil, em visita oficial a Portugal.

João Francisco Rodrigues de Morais casou em 1903 com D. Rosa de Jesus Gonçalves Sousa, de quem teve três filhos. Faleceu em Ponte de Lima em 6 de agosto de 1936. O Teatro Diogo Bernardes, edifício de vulto que se ergue em Ponte de Lima, no entroncamento da rua dos Terceiros com a rua Agostinho José Taveira, é um testemunho da sensibilidade artística e do esforço financeiro de aristocratas, de comerciantes e de brasileiros de torna-viagem. A Comissão Promotora deste empreendimento era presidida por João Rodrigues de Morais, então Provedor da Misericórdia, por Francisco António da Cunha Magalhães e pelo Dr. António Inácio Pereira de Freitas. Em reunião de acionistas realizada em 19 de fevereiro de 1893, a Comissão decidiu adquirir uma parcela de terreno no extremo meridional da vila, que era anexa à casa do noviciado do extinto Convento de Santo António dos Frades Capuchos e que fora alienada pela Fazenda pública. Por aí passava também a rua-estrada para Darque e Barcelos, que fora aberta alguns anos antes.

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    Painéis pintados a têmpera, que integram a sanca do tecto da sala de jantar da Villa Moraes. Inspirados em postais ilustrados editados pelo Grande Hotel Marcos, representam iniciativas que tiveram a colaboração de João Rodrigues de Morais – a Escola Primária que criou na vila de Ponte de Lima, a Avenida D. Luís Filipe (dos Plátanos) e a Villa Moraes.

O projeto do novo Teatro foi entregue ao Arquiteto municipal de Viana do Castelo, António Adelino de Magalhães Moutinho, que concebeu uma solução ‘à italiana’, inspirado no Teatro João Caetano, na cidade de Amparo, em S. Paulo (Brasil), recentemente concluído e com o qual João Rodrigues Morais estaria certamente familiarizado.

O capital subscrito, de setenta contos de réis, não era suficiente para realizar a obra, sendo então proposta uma nova emissão de ações, que foi garantida por João Rodrigues de Morais, Presidente da Sociedade, com a subscrição das setecentas ações disponíveis, o que permitiu iniciar de imediato a obra, entregue aos Mestres limianos António Pereira Correia (pedraria) e José Maria da Cunha (carpintaria).

  • Pormenor das almofadas das portas da Villa Moraes
    Pormenor das almofadas das portas da Villa Moraes, com o monograma JM, de João Rodrigues de Morais.

Concluíram-se as obras em 1896, sendo o Teatro (a que se deu o nome de Diogo Bernardes, que então se julgava ter sido natural de Ponte de Lima), festivamente inaugurado em 19 de setembro, com a participação da Companhia de Ópera Cómica Portuguesa, que apresentou a opereta “Os Sinos de Corneville”.

Em 1920 ainda as soirées se mantinham vivas e eram animados os bailes de máscaras. A novidade da luz elétrica trouxe com ela o cinema – primeiro o mudo, em 1921, depois o sonoro, em 1932. Mas no início da década de oitenta já se lhe prenunciava a morte, incapaz de cometimentos mais afoitos que umas mascaradas carnavalescas de quando em quando. Salvou-o do camartelo a iniciativa da Câmara Municipal, que o adquiriu e lhe devolveu o antigo fulgor, restituindo-o à sua função original, que tão bem desempenhara ao longo de várias décadas e para gáudio de cinco gerações de limianos. Reaberto em 1999, o Teatro Diogo Bernardes, talvez o empreendimento de maior alcance do Benemérito João Rodrigues de Morais, continua a ser um orgulho deste concelho.

  • Assinatura de João Rodrigues de Morais
    Assinatura de João Rodrigues de Morais.

Adelino Tito de Morais